O presidente francês, Nicolas Sarkozy, teria ordenado aos serviços secretos que espionassem jornalistas que o incomodavam. A oposição agora exige uma investigação. A democracia francesa estará ameaçada? Edwy Plenel é jornalista há mais de 30 anos. Foi editor-chefe de Le Monde, o mais importante diário francês, descobriu vários escândalos durante a presidência de François Mitterrand e foi espionado pelo Eliseu nos anos 80, mas sua situação sempre foi relativamente suportável.
Ex-trotskista, Plenel nunca considerou um ofício fácil o do jornalista na França. Mas agora o considera intolerável. "Nossa democracia corre um sério perigo", afirma Plenel, que há três anos fundou o site independente Mediapart. "Nossa república, suas leis e seus princípios estão se transformando em um enorme monte de cinzas diante dos nossos olhos." Plenel está convencido de que as liberdades francesas – acima de tudo, a liberdade de imprensa – estão sendo seriamente ameaçadas. Segundo Plenel, jornalistas do Mediapart que revelaram o escândalo sobre a bilionária herdeira da L´Oréal, Liliane Bettencourt – com suas acusações de contribuições políticas ilegais e sonegação fiscal –, foram por meses investigados em uma operação controlada pelo Palácio do Eliseu.
Do mesmo modo, afirma, agentes do serviço secreto interno (DCRI) chegaram a analisar as gravações do celular de dois dos seus jornalistas para descobrir seus contatos. E, evidentemente, a redação do Mediapart, logo atrás da Bastilha, foi invadida. Plenel rejeita acreditar que tenha sido uma invasão ocasional e a atribui a uma operação ordenada pelo chefe da Casa Civil do Eliseu, Claude Guéant.
"Nada escapa a Sarkozy"Em meados de julho, com seus relatórios diários sobre o caso Bettencourt, Mediapart e Le Monde tornaram-se uma enorme pedra no sapato para Sarkozy. No início do ano, a pedido do presidente, o DCRI investigou um assunto privado de Sarkozy, que quis que os agentes da inteligência descobrissem quem havia divulgado os boatos de casos extraconjugais dele e de sua mulher, Carla Bruni. O Ministério do Interior procurou justificar a operação afirmando que havia a suspeita de um complô no exterior com o objetivo de desacreditar o presidente francês no período anterior à reunião do G-20. Carla Bruni teria tido acesso aos relatórios da polícia e do serviço secreto.
No meio tempo, o chefe da inteligência, Bernard Squarcini, um especialista em contraterrorismo, teria criado uma unidade encarregada de ficar de olho em alguns jornalistas. O próprio presidente especifica quais são os indivíduos que o grupo deve vigiar, segundo uma declaração feita na quarta-feira por Claude Angeli, editor-chefe do semanário satírico Le Canard Enchaîné, um dos poucos jornais independentes – política e financeiramente – da França. Angeli disse que suas afirmações têm como base "informantes confiáveis" do quartel-general do DCRI.
A história desencadeou imediatamente uma avalanche de desmentidos. O serviço de informações "não é a Stasi ou a KGB", declarou o ministro do Interior, Brice Hortefeux. "Não recebo ordens de Sarko", afirmou Squarcini. Mas Angeli discorda: "Estamos convencidos de que o presidente está pessoalmente envolvido em tudo. Nada escapa a Sarkozy."
Uma "Berlusconização" dos meios de comunicaçãoMesmo em um país como a França, este grau de interferência pessoal do político mais poderoso do país não tem precedentes. As coisas estão sendo levadas longe demais. Os companheiros conservadores de Sarkozy gostam de ressaltar que François Mitterrand, o ex-presidente socialista, tinha no Eliseu um departamento que cuidava exclusivamente de seus assuntos pessoais e uma das responsabilidades desse órgão era ouvir as conversas telefônicas dos jornalistas. Esse gabinete só foi revelado alguns anos mais tarde, quando seus membros foram processados.
Mas, aparentemente, Sarkozy está indo longe demais e explora secretamente a polícia e os serviços de informações para seus próprios fins, justificando suas ações com a afirmação de que o Estado está em perigo. As intervenções de Sarkozy tornam-se assunto de conhecimento público, como aconteceu, semanas atrás, quando os investigadores do governo visaram ao jornalista Gérard Davet do Le Monde. Em um artigo sobre o caso Bettencourt, Davet fez graves acusações contra o ministro do Trabalho, Eric Woerth, e apresentou um número surpreendente de detalhes para corroborar suas afirmações. As conversas telefônicas de Davet foram checadas e, depois que as listas de telefonemas feitos por ele fez foram comparadas com as do suposto informante, foi identificado como seu autor um funcionário do Ministério da Justiça, que foi transferido para a Guiana Francesa como castigo.
O próprio Sarkozy anunciou em janeiro a lei que oferece proteção ainda maior às fontes, instrumento indispensável para o trabalho dos jornalistas. Mas a lei faz uma exceção: se os interesses nacionais forem ameaçados, as fontes poderão ser reveladas.
De três anos para cá, os franceses estão ficando acostumados ao nepotismo de Sarkozy e ao que consideram uma "Berlusconização" dos veículos de comunicação. Por exemplo, o industrial Martin Bouygues, padrinho do filho mais novo de Sarkozy, controla a TF1, a maior TV privada da França.
*Fonte: Edição 616 de 16/11/2010
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